Ciência
Carlos
Drummond de Andrade
Começo a ver no escuro
um novo tom
de escuro.
Começo a ver o visto
e me incluo
no muro.
Começo a distinguir
um sonilho, se tanto,
de ruga.
E a esmerilhar a graça
da vida, em sua
fuga.
São novos tons de escuro, são cinco anos de estudo... Ou será uma vida
inteira? Passar a vida a limpo, comemorar cada etapa e compartilhar nossas
alegrias e aflições. Aprender a caminhar com!, com nossos amigos, colegas de
profissão, com nossos professores e professoras, que nos orientam,
surpevisionam e nos acompanham dia a dia, ampliando nossos horizontes...
E
no encontro com outro, participantes de pesquisas, clientes, pacientes, ou
mesmo trabalhando com grupos... Passamos a
ver o visto e produzimos saberes. Procuramos lidar com o desejo e tentamos
construir novas realidades.
Ao
incluirmos no muro, deixamos de fazer
de conta e passamos a fazer parte. Nós, estudantes de Psicologia, recém
formados psicólogos temos um compromisso com a sociedade. Nós aprendemos a
escutar, a atender, manejar equipes com cuidado e respeito. Nós aprendemos a
construir pontes entre nós e eles. Nós problematizamos questões da lida
cotidiana e traçamos estratégias de enfrentamento de uma série de opressões e
desigualdades. Temos o dever de nos posicionar crítica e auto-criticamente
cientes de que seremos consultados sobre uma série de questões. Nós, enquanto
psicólogos, somos rotineiramente convidados a tecer análises e diagnósticos
sobre as mais variadas questões de nossa sociedade. Por isso, queridos colegas,
acredito que temos o compromisso de saber como nos posicionar de maneira
honesta e sincera, de coração, diante dos outros e de nós mesmos.
Ao
ocupar esse espaço, pensei sobre o que falar, sobre o que quer dizer ser
orador... E logo me veio o desejo de falar um pouco sobre a amizade; pelas
amizades que fiz ao longo do curso; pela potência política que a amizade pode
ter; a amizade implica um convívio e acredito serem essas umas das principais
questões que a Psicologia parece lidar: o convívio, o lado a lado, as
relações...
Convívio
Carlos Drummond de Andrade
Cada dia que passa incorporo mais esta verdade,
de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco: tão intervalado; tão débil.
e por isso vivem tão pouco: tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram
de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam,
dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.
Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nossos atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma de existir
nos atinge.
O próximo existe. O pássaro
existe.
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que
disfarçados...
Há que renunciar a toda procura.
Não os encontraríamos, ao
encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso
sagrado,
um depósito,
uma presença contínua,
esta é a nossa condição, enquanto,
sem condição
transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.
e calamo-nos.
Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.
Cinco
anos se passaram e quanto convívio! Juntos tivemos a oportunidade de
compartilhar novas experiências, experiências potentes de transformação e
formação humana. E partimos do comum: um afeto mútuo, uma amizade, de afinidades
teóricas, ou fazendo parte da mesma militância, da mesma luta!
Atravessamos
a formação de cada um de nós, concordando ou discordando, querendo ou não,
intervalados!, como diz o poeta, mas fizemos parte de um todo, de um grupo, uma
turma. Reconhecemo-nos mesmo que seja através de nossas diferenças.
Arriscaria
dizer por todos nós, formandos, que a Psicologia mudou radicalmente as nossas
percepções. Aludindo mais uma vez a Drummond, diria que a máquina do mundo se entreabriu para nós, e já não procuramos nos
esquivar. Por favor, façamos! “vê, comtempla, abre teu peito para agasalha-lo”.
Estejamos firmes em nossos propósitos, como
psicólogos, cientistas e guerrilheiros. Que possamos continuar nos guiando pelo
que nos afeta e instiga. Agradeço de coração a oportunidade de estar aqui, esta
noite, compartilhando um pouquinho das impressões sensíveis que o curso de
Psicologia deixou para mim.
O Chamado
Carlos
Drummond de Andrade
Na
rua escura o velho poeta
(lume
de minha mocidade)
já
não criava, simples criatura
exposta
aos ventos da cidade.
Ao
vê-lo curvo e desgarrado
na
caótica noite urbana,
o
que senti, não alegria,
era,
talvez, carência humana.
E
pergunto ao poeta, pergunto-lhe
(numa
esperança que não digo)
para
onde vai — a que angra serena,
a
que Pasárgada, a que abrigo?
A
palavra oscila no espaço
um
momento. Eis que, sibilino,
entre
as aparências sem rumo,
responde
o poeta: Ao meu destino.
E
foi-se para onde a intuição,
o
amor, o risco desejado
o
chamavam, sem que ninguém
pressentisse,
em torno, o Chamado.
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